terça-feira, 12 de outubro de 2010

RAQUEL, RETORNO E INOCÊNCIA




Nos finais da tarde é que o sol reflete na janela mais alta do sobrado. Lá posso ver quando a chuva embaça bem longe na estrada. Muitas vezes fiquei sozinho na varanda. Os pingos que riscavam em diagonais transparentes molhavam meus pés e lavavam a minha alma de moleque. Nestes dias mamãe costumava tecer perto da janela...

Do outro lado da casa, o jardim nesta hora, esconde-se devagar nas sombras! É lá embaixo da velha árvore que meu velho gosta de ficar com as crianças a rir e contar histórias! Foi lá embaixo que em manhã serena, mamãe descansou seu corpo delicado por uma última vez...

Recordo quando parti com Clarice... As persianas ainda eram claras. Os nomes ainda eram visíveis e bem marcados na casca da velha árvore. (Mamãe nunca deixou os nomes se apagarem com o passar dos anos). Hoje, meus filhos brincam com a mãe e o “vovô”! Alegro-me, mas em dois dias terminam minhas férias e mais uma vez partiremos...

Amanhã bem cedo quando o dia clarear, quero ver bem nos olhos do meu pai! Vou passear com ele, com Clarice e as crianças...

- “Papai! Papai... o que você está fazendo ai? Venha aqui na varanda da vovó”! - Raquel encostada no parapeito chama com expressão séria e serena.
- O que é minha filha? Tome cuidado ai em cima!
- “Sabe papai... quando o senhor, mamãe e o Ramon for embora, vou ficar e cuidar do vovô... ele está doente sabia? Mas eu vou cuidar dele, e ai ele vai ficar bom! Eu não quero voltar para aquela cidade! Lá em casa a varanda não é bonita. Vou ficar aqui e quando eu tiver bem velhinha... Eu vou ficar na rede lá embaixo no jardim da vovó!”
- Você está mesmo decidida Raquel? Você tem certeza que é isso o que você quer?
- “Tenho certeza papai!”
-  Você não é muito pequena pra pensas nessas coisas e decidir?
- “Não papai... e amanhã quando clarear quero ir visitar o túmulo da vovó... Vou dizer pra ela que vou cuidar de tudo”!
- Teremos que conversar minha filha.
- “Olha papai! É melhor o senhor entrar... Já esta anoitecendo”!

Olhar embargado. Suspiro... Raquel falou como mamãe falava e raiava comigo. Estava lá no mesmo lugar e na mesma hora em que o sol costuma morrer no vidro da janela entreaberta!

Assim... Não partiremos amanhã! Ficaremos mais uns dias!

- “Papai!”
- Sim... Minha filha! Diga!
- “Eu te amo!”
- Eu também te amo filha... Eu também!

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